domingo, 20 de outubro de 2013

Resenha: Invocação do Mal

Quando eu era bem pequeno, minha vó trouxe dos Estados Unidos uma fita cassete com vários videoclipes compilados do Michael Jackson. Um desses clipes era “Thriller”, que me fascinava e me amedrontava ao mesmo tempo. Lembro claramente de pedir para ela colocar a fita várias vezes, mas quando chegava a parte em que os zumbis saíam da cova, eu sentia medo e me escondia ou pedia para alguém desligar a TV. Mesmo assim, eu sempre queria voltar àquilo.

Desde então, eu assisti a muitos filmes de “terror” (alguns só são rotulados assim mas, sinceramente, não passam de comédia pastelão com cortes rápidos) e busquei algum que me fizesse ter mais vezes essa sensação, algo que consegui, infelizmente, em poucas oportunidades.

Minha mais recente tentativa foi com o badalado “Invocação do Mal”, que se tornou o filme de terror mais bem sucedido comercialmente do século XXI até o momento. Um feito notável, se me perguntarem. Os críticos também gostaram bastante e cheguei à sala de cinema com a expectativa lá em cima. Não fiquei decepcionado ao sair da sala, ainda bem, apesar de não ter sentido o "clique" que me faria considerar o resultado final ótimo.



A história conta como o casal de caça-fantasmas (por falta de denominação melhor), Ed e Lorraine Warren, se envolve com os mistérios que passaram a fazer parte do cotidiano da família Perron. Após puxões de pé à noite, portas rangendo freneticamente e casos de sonambulismo incomuns, os protagonistas decidem ajudar o Sr. e Sra. Perron e suas cinco filhas a se livrar da maldição de uma bruxa falecida.

Durante a sessão, percebi elementos em cena que me remeteram a outras obras, algumas delas relativamente recentes, outras clássicas. Vendo quem era o diretor, nos créditos, entendi pelo menos parte do motivo de certas referências visuais e de roteiro.

James Wan, que comanda esse longa, é também o diretor da série “Jogos Mortais”. Uma figura que aparece frequentemente no filme lembra bastante o boneco que Jigsaw usa em “Jogos” para se comunicar com suas vítimas, por exemplo.

Outras referências são ao “Exorcista” (1973), de William Friedkin, “Os Pássaros” (1963), de Hitchock e, curiosamente, a um filme não tão conhecido chamado “O Despertar” (2011), de Nick Murphy, com a linda da Rebecca Hall fazendo o papel de caça-fantasma em um orfanato. É possível até mesmo fazer analogias estéticas com “O Massacre da Serra Elétrica” (1974), de Tobe Hooper, especialmente na cena em que Wan nos coloca na perspectiva de um operador de câmera amador descendo as escadas de um porão.



Restam poucos elementos realmente originais que mereçam destaque, até porque as maneiras de assustar o público em filmes de terror parecem já ter sido todas testadas à exaustão. Dos sustos puros e simples causados por cortes de cena, a outros que acontecem depois do que a trilha sonora sugere (sabe quando a música vai ficando alta e então, de repente, ela para e você sabe que vai acontecer algo mas demora vários segundos?), passando pelos sempre eficientes “sustos de espelho” e chegando a já exaurida possessão demoníaca.

Mesmo empregando os clichês, no entanto, é possível montar um filme interessante, como “A Morte do Demônio” (2013), de Fede Alvarez, provou de maneira exemplar. Em “Invocação”, o que torna o filme bom são as atuações de Patrick Wilson e Vera Farmiga como Ed e Lorraine e o enredo que, por mais previsível que possa ser, consegue manter o expectador intrigado para saber como diabos o pessoal vai se livrar de tamanha enrascada.

Os personagens principais também foram bem construídos. Suas habilidades específicas se complementam e o fato de eles serem retratados como seres quase tão vulneráveis quanto a família que tentam proteger, se mostrando apenas um pouco mais esclarecidos, ajuda, e muito, a compor o clima de tensão do filme.

A mitologia adotada, porém, poderia ter sido melhor empregada. A história de exorcismo é bastante batida no cinema e o ponto de vista excessivamente católico, ressaltando em demasia a dicotomia Bem e Mal da doutrina, pode soar forçada, para não dizer bem desinteressante, especialmente para quem acredita em outras religiões ou outras formas de além-vida.

No geral, “Invocação do Mal” é um bom filme de terror e que redime algumas porcarias do gênero como “O Último Exorcismo” e “Possessão”. Talvez a recente escassez de obras realmente marcantes (das quais destaco “A Morte do Demônio”, “Mama” e “A Casa Silenciosa” como oásis nesse deserto) tenha levado alguns a enaltecer demais o longa, por comparação, mas é inegável que estamos falando de um produto de qualidade.

PS: Depois de terminar o texto original me lembrei de mais uma referência, bem mais subjetiva do que as outras, é verdade, mas ainda assim digna de nota: vampiros. Além de serem mencionados por Ed Warren em um diálogo com o Sr. Perron, um dos "efeitos colaterais" da possessão demoníaca em um personagem-chave se assemelha às reações de um vampiro ao ser atingido por alho ou pela luz solar. Talvez seja James Wan tentando homenagear Drácula. Quem sabe, né?!