quarta-feira, 26 de novembro de 2014

McCartney III

Paulinho presenteou Brasília, na noite de 23 de novembro de 2014, com um set ligeiramente diferente do apresentado no restante da turnê brasileira (já me sinto especial!). No repertório, 39 músicas englobando o período dos Beatles, do Wings e a carreira solo de Macca, ignorando o The Fireman, projeto eletrônico em parceria com Martin Glover (Youth).

Foi um deleite, apesar de alguns problemas técnicos e pontuais na apresentação. Sendo assim, decidi debulhar o show de Paul em Brasília e verificar de onde veio cada parte do set de sir McCartney. Cabe dizer que a lista de música tocadas foi bem similar ao apresentado na turnê de 2013, apenas com a inclusão de quatro músicas do novo CD, New.

                                                         Foto: Josemar Gonçalves/JBr
                                                       

Abaixo, o set completo tocado no Mané:

Magical Mistery Tour
Save Us*
All my loving
Listen to what the man said
Let me roll it
Paperback writer
My valentine
Nineteen Hundred And Eighty-Five
The Long and Winding road
Maybe I´m amazed
I´ve just seen a face
We can work it out
Another day
And I love her
Blackbird
Here today
New*
Queenie eye*
Lady Madonna
All together now
Lovely Rita
Everybody out there*
Eleanor Rigby
Being For The Benefit of Mr. Kite
Something
Ob-La-di Ob-la-da
Band on the run
Back in the USSR
Let it be
Live and let die
Hey Jude
-
Day tripper
Get back
I saw her standing there
-
Yesterday
Helter Skelter
Golden Slumbers
Carry that weight
The end

(*) músicas do álbum New

 A abertura com “Magical Mystery Tour”, do álbum homônimo dos Beatles, foi o diferencial desta apresentação para as demais no Brasil. Para todos os outros shows, a canção escolhida foi “Eight Days a Week”, do Beatles For Sale, de 1964. Com a pequena mudança, o álbum foi um dos dois únicos trabalhos do reis do Iê-Iê-Iê que não tiveram uma única canção sequer tocada no Mané. O outro foi Rubber Soul, de 1965.

Vale dizer que nestes dois álbuns existem pérolas dos Beatles que com certeza embalariam qualquer show de Macca (até do Ringo), mas que por opção de repertório, foram negligenciadas. Cito a própria “Eight Days A Week” e “I'll Follow The Sun”, do For Sale; “Drive My Car”, “Norwegian Wood (This Bird Has Flown)”, “Nowhere Man”, “Michelle”, “Girl” e “In My Life”, do Rubber.

Sábio

O grande Lucas “Nanini”, sábio colega do G1, diz que Paul é um cara com consciência da sua importância e do que as pessoas esperam dele. Portanto, a escolha de priorizar os Beatles em detrimento de sua própria carreira solo e do período nos Wings seria compreensível. Acho que ele está certo. Paulinho sabe que muita gente não acompanhou seu virtuosismo musical ao longo dos anos e só quer ter um momento de nostalgia revivendo o rebuliço beatlemaníaco da década de 1960. Acho nobre, se me perguntarem.

Dito isso, a jornada da segunda banda do britânico foi lembrada apenas por um punhado de hits dos anos 70. Dos sete álbuns de estúdio do Wings, somente dois foram evocados, e justamente os mais famosos: Band on The Run, obra-prima de 1973, e Venus And Mars, de 1975. O primeiro teve três canções no repertório, com destaque para “Let Me Roll It”, que é um poderoso hit de preencher o estádio na hora do refrão. Se Macca quisesse, poderia ter esbanjado um pouco mais com “Jet” e “Ms. Vandebilt”, outros sucessos no mesmo trabalho, mas preferiu ser humilde.

Na atual turnê, ele também tem tocado “Hi, Hi, Hi” - single do Wings lançado em 1972 junto com “C Moon”, ambos incluídos apenas em compilações pós-termino-da-banda nos anos 80 – em alternância com “Get Back”, pincelado de Let It Be, de 1970, lançamento derradeiro dos Beatles. Em Brasília, optou pela segunda. Para encerrar a lembrança a essa fase, “Live And Let Die”, composta como single (e indicada ao Oscar) em 1973 para o filme homônimo de James Bond.



Sozinho, nem tanto

Mesmo ainda ativo no mercado fonográfico e lançando trabalhos relevantes pelo menos a cada cinco anos, a carreira solo de Paul foi deixada bem de lado no repertório da atual turnê. Nada menos que 13 álbuns de estúdio negligenciados, ou 12, se excetuarmos a trilha-sonora Give My Regards to Broad Street, de 1984. Apesar de ter algumas composições inéditas e arranjos diferentes para músicas antigas, pode-se argumentar que é apenas uma compilação encorpada.

Ainda assim, são trabalhos significativos e músicas fantásticas não tocadas. Destaco o esquecimento de Ram, de 1971, e Flaming Pie, de 1997, como os mais significativos. Canções como “Too Many People” (que John Lennon pensou ser uma indireta para ele), “Ram On”, “Long Haired Lady”, do primeiro, e “Calico Skies”, “Flaming Pie” e “Great Day”, do segundo, poderiam compor ótimos momentos acústicos ou no teclado.

Mas não há muito do que reclamar. Com quase 55 anos de carreira, é muito difícil contemplar tudo e, principalmente, agradar a todos. E ele está fazendo um grande trabalho, resgatando antigos singles dos Beatles, outrora somente lançados em compilações, como “Lady Madonna” e “Paperback Writer”, e até b-sides icônicas, como “Another Day”, lançada bem no início de sua carreira solo.

Abaixo, a quantidade de músicas tocadas por álbum (e fase):

-The Beatles

Please Please Me (1)
With The Beatles (1)
A Hard Day's Night (1)
Help! (2)
Revolver (1)
Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (2)
Magical Mystery Tour (1)
The Beatles (White album) (4)
Yellow Submarine (1)
Abbey Road (4)
Let It Be (3)

-Wings

Band On The Run (3)
Venus And Mars (1)

-Paul McCartney

McCartney (1)
Tug of War (1)
Kisses On The Bottom (1)
New (4)

Outros (7)

PS: No Brasil, o lançamento dos álbuns dos Beatles aconteceu de maneira distinta à dos EUA e Reino Unido. O Hard Day's Night, de 1964, por exemplo, foi lançado aqui em 1965 sob o título Reis do Iê-Iê-Iê. O primeiro álbum a estar disponível para venda por aqui foi Beatlemania, com canções do segundo trabalho deles, “With The Beatles”. O primeiro LP, Please Please Me, só chegaria sob o nome The Beatles Again, e misturado com algumas canções do “With The Beatles”.

PS2: Para a relação de álbuns, desconsiderei as compilações e coletâneas, além dos “ao vivo”, de forma que os singles eventualmente lançados em um desses formatos foram creditados como pertencentes a “Outros”.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Macaco na corda

Passou da hora de o Arctic Monkeys ser convidado para um Acústico MTV (ou MTV Unplugged, como seria na gringa). Desde o segundo semestre do ano passado eles estão em evidência com o lançamento de "AM", sucessor do bom (porém não tão fantástico) "Suck It And See".

O mais recente álbum dos "macacos árticos" vendeu 100 mil cópias apenas dos dois primeiros dias da semana de estreia, no Reino Unido, e se popularizou nos EUA com hits como "Do I Wanna Know" e "Why'd You Only Call Me When You're High", que, inclusive, recebeu cover de Miley Cyrus (E ficou foda!). Sendo assim, é hora de aproveitar que eles estão por cima da carne seca e simplesmente dar um violão pros moços e filmar.

Desde "Humbug" eles fazem versões com voz e violão fantásticas de músicas que, a princípio, só funcionariam plugadas no 220v. Até a catártica "Crying Lightning" ficou bem nas cordinhas de aço! Na turnê de divulgação do álbum seguinte, uma apresentação do vocalista metido a bonitão com pinta de noiado, Alex Turner, na rádio KEXP, foi fantástica. “Reckless Serenade”, Love Is A Laserquest” e “Suck It And See” ganharam roupagem intimista que rendeu ao rapaz comparações, por parte do locutor do show, com Sam Cooke.



Entrando nessa vibe, seria ótimo que eles revisitassem os primeiros sucessos da carreira com roupagem acústica. “Mardy Bum” já ganhou algumas versões nesse formato complementadas com instrumentos de música clássica. Isso aconteceu em duas edições do festival Glastonbury e em alguns shows avulsos. Eu não reclamaria se eles encontrassem um jeito de transformar “Fake Tales...” e “Perhaps Vampire...” em números para o Unplugged.

Seguindo a vibe, uma setlist imaginário de 10 músicas que eu gostaria que fosse o definitivo para tal evento, caso acontecesse.


  1. Do I Wanna Know?
  2. Crying Lightning
  3. One For The Road
  4. You're so Dark
  5. Mardy Bum
  6. Electric Barbarella (Duran Duran cover)
  7. Arabella
  8. Reckless Serenade
  9. Why'd You Only Call Me When You're High?
  10. 505
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PS: O cover de Duran Duran seria perfeito para coroar a aparente fixação da banda com o grupo britânico e com o filme dos anos 60 Barbarella.

domingo, 20 de outubro de 2013

Resenha: Invocação do Mal

Quando eu era bem pequeno, minha vó trouxe dos Estados Unidos uma fita cassete com vários videoclipes compilados do Michael Jackson. Um desses clipes era “Thriller”, que me fascinava e me amedrontava ao mesmo tempo. Lembro claramente de pedir para ela colocar a fita várias vezes, mas quando chegava a parte em que os zumbis saíam da cova, eu sentia medo e me escondia ou pedia para alguém desligar a TV. Mesmo assim, eu sempre queria voltar àquilo.

Desde então, eu assisti a muitos filmes de “terror” (alguns só são rotulados assim mas, sinceramente, não passam de comédia pastelão com cortes rápidos) e busquei algum que me fizesse ter mais vezes essa sensação, algo que consegui, infelizmente, em poucas oportunidades.

Minha mais recente tentativa foi com o badalado “Invocação do Mal”, que se tornou o filme de terror mais bem sucedido comercialmente do século XXI até o momento. Um feito notável, se me perguntarem. Os críticos também gostaram bastante e cheguei à sala de cinema com a expectativa lá em cima. Não fiquei decepcionado ao sair da sala, ainda bem, apesar de não ter sentido o "clique" que me faria considerar o resultado final ótimo.



A história conta como o casal de caça-fantasmas (por falta de denominação melhor), Ed e Lorraine Warren, se envolve com os mistérios que passaram a fazer parte do cotidiano da família Perron. Após puxões de pé à noite, portas rangendo freneticamente e casos de sonambulismo incomuns, os protagonistas decidem ajudar o Sr. e Sra. Perron e suas cinco filhas a se livrar da maldição de uma bruxa falecida.

Durante a sessão, percebi elementos em cena que me remeteram a outras obras, algumas delas relativamente recentes, outras clássicas. Vendo quem era o diretor, nos créditos, entendi pelo menos parte do motivo de certas referências visuais e de roteiro.

James Wan, que comanda esse longa, é também o diretor da série “Jogos Mortais”. Uma figura que aparece frequentemente no filme lembra bastante o boneco que Jigsaw usa em “Jogos” para se comunicar com suas vítimas, por exemplo.

Outras referências são ao “Exorcista” (1973), de William Friedkin, “Os Pássaros” (1963), de Hitchock e, curiosamente, a um filme não tão conhecido chamado “O Despertar” (2011), de Nick Murphy, com a linda da Rebecca Hall fazendo o papel de caça-fantasma em um orfanato. É possível até mesmo fazer analogias estéticas com “O Massacre da Serra Elétrica” (1974), de Tobe Hooper, especialmente na cena em que Wan nos coloca na perspectiva de um operador de câmera amador descendo as escadas de um porão.



Restam poucos elementos realmente originais que mereçam destaque, até porque as maneiras de assustar o público em filmes de terror parecem já ter sido todas testadas à exaustão. Dos sustos puros e simples causados por cortes de cena, a outros que acontecem depois do que a trilha sonora sugere (sabe quando a música vai ficando alta e então, de repente, ela para e você sabe que vai acontecer algo mas demora vários segundos?), passando pelos sempre eficientes “sustos de espelho” e chegando a já exaurida possessão demoníaca.

Mesmo empregando os clichês, no entanto, é possível montar um filme interessante, como “A Morte do Demônio” (2013), de Fede Alvarez, provou de maneira exemplar. Em “Invocação”, o que torna o filme bom são as atuações de Patrick Wilson e Vera Farmiga como Ed e Lorraine e o enredo que, por mais previsível que possa ser, consegue manter o expectador intrigado para saber como diabos o pessoal vai se livrar de tamanha enrascada.

Os personagens principais também foram bem construídos. Suas habilidades específicas se complementam e o fato de eles serem retratados como seres quase tão vulneráveis quanto a família que tentam proteger, se mostrando apenas um pouco mais esclarecidos, ajuda, e muito, a compor o clima de tensão do filme.

A mitologia adotada, porém, poderia ter sido melhor empregada. A história de exorcismo é bastante batida no cinema e o ponto de vista excessivamente católico, ressaltando em demasia a dicotomia Bem e Mal da doutrina, pode soar forçada, para não dizer bem desinteressante, especialmente para quem acredita em outras religiões ou outras formas de além-vida.

No geral, “Invocação do Mal” é um bom filme de terror e que redime algumas porcarias do gênero como “O Último Exorcismo” e “Possessão”. Talvez a recente escassez de obras realmente marcantes (das quais destaco “A Morte do Demônio”, “Mama” e “A Casa Silenciosa” como oásis nesse deserto) tenha levado alguns a enaltecer demais o longa, por comparação, mas é inegável que estamos falando de um produto de qualidade.

PS: Depois de terminar o texto original me lembrei de mais uma referência, bem mais subjetiva do que as outras, é verdade, mas ainda assim digna de nota: vampiros. Além de serem mencionados por Ed Warren em um diálogo com o Sr. Perron, um dos "efeitos colaterais" da possessão demoníaca em um personagem-chave se assemelha às reações de um vampiro ao ser atingido por alho ou pela luz solar. Talvez seja James Wan tentando homenagear Drácula. Quem sabe, né?!

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

As Aventuras de Pi: Demagogia e devaneio em bela roupagem


Ao escutar o título “As aventuras de Pi”, tradução brasileira para “Life of Pi”, por algum motivo, pensei nos contos de Malba Tahan, que preencheram várias tardes de leitura durante o Ensino Médio. Talvez o nome do protagonista, que remete ao algarismo grego símbolo de um número importante na Matemática, tenha feito com que eu ligasse os pontos. O fato é que os contos de Malba Tahan eram extremamente divertidos e, ainda que escritos em uma linguagem muito formal para um adolescente, sempre me deixaram entusiasmado e louco para descobrir o fim, que geralmente reservava surpresas.

Essa associação inoportuna talvez seja o real motivo para eu ter me decepcionado com o filme, dirigido pelo ganhador do Oscar, o taiwanês Ang Lee. Mas eu não creio que seja apenas isso. O visual da obra como um todo é belíssimo. Animais extremamente bem reproduzidos em computação gráfica e efeitos de luz pontuais transformam a estética do filme na atração principal. Algumas tomadas em que o oceano é retratado como o universo, com os peixes e águas-vivas fazendo as vezes de constelações, são de tirar o fôlego. Infelizmente a história não fica à altura do conceito artístico.

                                                           Bonito pra chuchu... e só!

O enredo nos conduz a um escritor com “bloqueio” (quase vivido por Tobey Maguire, mas representado por Rafe Spall no fim das contas) que vai à casa de Pi para ouvir sua incrível história sobre como sobreviveu ao naufrágio da embarcação que levaria sua família e os animais do zoológico gerenciado por seu pai ao Canadá. Com o relato de nosso personagem principal, um indiano seguidor de três religiões ao mesmo tempo, o escritor espera recuperar a inspiração para pensar no próximo livro.

É aí que, por meio de flashbacks (por ter diversos atores indianos confesso que, preconceituosamente, fui remetido à maneira de contar o enredo de “Quem Quer Ser Um Milionário?”), somos introduzidos à tal vida de Pi, que se vê preso em um bote salva-vidas em meio ao Oceano Pacífico com uma zebra, uma hiena, um orangotango e um Tigre de Bengala. Tudo parece ser interessante a princípio, mas termina por decepcionar bastante.

O roteiro adaptado da obra de Yann Martel, que se baseou (alguns dizem plagiou) no livro “Max e os Felinos”, do brasileiro Moacyr Scliar, tenta, então, conduzir o expectador a uma épica jornada espiritual em que, supostamente, a presença da figura denominada Deus se tornaria inegável. Digo logo de cara que a proposta, ambiciosa a princípio, se mostra apenas pretensiosa e acaba por deixar a trama confusa e exigindo reflexão (e alguma discussão com colegas) para ser entendida, no máximo, parcialmente.

O ator Suraj Sharma, que vive o jovem e náufrago Pi, no entanto, foi extremamente bem escalado e consegue passar as emoções certas, além de demonstrar um timing cômico decente. Gérard Depardieu faz uma ponta de luxo como o cozinheiro do navio, mas, de resto, o elenco passa quase despercebido. Durante praticamente todo o segundo ato e grande parte do filme, na verdade, temos apenas Pi encarnando Tom Hanks em “Náufrago”, mas com um Tigre de Bengala com desejos assassinos e muita fome ao invés de Wilson, a simpática bola de topete. Ah sim, as dificuldades são quase todas passadas em meio ao Oceano Pacífico, o que deixa o miolo do filme, apesar de belo em alguns pontos, extremamente maçante.

Pi pega suprimentos no barco, o Tigre tenta atacá-lo. Pi tenta marcar território, o Tigre tenta arrancar sua cabeça. Pi tenta pescar, o Tigre encara ele com olhar assassino.

É assim que o filme se desenvolve. A certo ponto quase nos esquecemos de que aquilo é um flashback e passamos a acreditar que estamos presos àquele lenga-lenga. Eternamente à deriva ao lado de Pi e seu tigre semi-domesticado.

                       Pi pensando na morte da bezerra. Cena corriqueira em suas "aventuras"

O devaneio foi tão grande, que Ang Lee, a certo ponto, finalmente lembra-se da mensagem espiritual a ser passada e insere uma ilha mágica no meio da história. Teoricamente esse pedaço de terra seria uma mensagem divina, mas apesar da explicação forçada do também narrador Pi, este mais velho vivido por Irrfan Khan, fico me perguntando qual foi o propósito desse lugar lotado de suricatos (que também não têm qualquer propósito ao conteúdo final).

A impressão que fica é que o diretor tinha dois objetivos: empregar recursos visuais que justificassem os 120 milhões de dólares investidos em um roteiro tão pobre e pretensioso, e trabalhar a atuação de Suraj Sharma, que, diga-se de passagem, passou no teste pois teve de demonstrar sua capacidade contracenando com um tigre imaginário por mais de duas horas.

Como as imagens são apenas bonitas e expressam muito pouco do que o filme realmente tenta dizer, o narrador precisa, nos instantes cruciais, explicitar de maneira bem didática qual foi a intervenção divina ou ensinamento religioso transmitido pela cena que está sendo mostrada ou acabou de passar. É ridículo.

Além da falta de clímax, que torna o fim do filme algo abrupto, o terceiro ato ainda desmistifica a história que acabou de ser contada e - inacreditavelmente direi isso - transforma a conclusão do enredo em algo próximo a Amanhecer. Sim, Ang Lee transformou “As aventuras de Pi”, que deveria ser um conto de fadas ou pelo menos uma épica jornada de crença espiritual, em algo próximo à odiosa “saga” de vampiros constipados e lobos depilados de Stephanie Meyer. É ver para crer.

A visão, aliás, é sua maior aliada neste filme e, especialmente na sessão 3D, quando a história se tornar invariavelmente chata e nada de bom estiver acontecendo (como uma baleia brilhante saltando ou... ai ai, quando o Tigre estiver, pela 15ª vez, tentando comer Pi) simplesmente preste atenção nas cenas. Cada detalhe, cada jogo de cores, cada elemento do mise en scène é um deleite.

E talvez esse seja o único motivo que faça valer a pena assistir a esse filme nos cinemas: a beleza gráfica. De resto, vá ler Malba Tahan que encontrará contos mais interessantes, ou então a Bíblia, se quiser contos de fadas de cunho igualmente espiritual.