O Velho Bira sabe ler, e muito bem, obrigado.
“Toda vez que eu conto uma história, dizem que sai diferente da outra vez que eu contei”. Com esses dizeres icônicos, Seu José Bonfim, O Velho Bira, como é conhecido, deu início à primeira conversa que tivemos sobre sua vida.
Antes de qualquer coisa, é importante contextualizar a aparição e teor das palavras do Velho Bira. Após enfrentar algumas horas de trânsito intenso dentro de um dos desconfortáveis microônibus de Brasília, os chamados “zebrinhas”, desci na parada da quadra 302 sul. Em meu caminho para o trabalho, vi apenas de relance, mas foi o suficiente para atrair minha atenção e me fazer ficar estático encarando a cena. Um mendigo, de barbas e cabelos muito brancos e longos, com trapos servindo de vestimenta e um chinelo velho calçado nos pés imundos, lia calmamente, sentado em cima de uma caixa de madeira, o jornal do dia. Todos os filtros de preconceito que o senso comum acaba erguendo em nossa mente foram ativados e, após alguns segundos, derrubados como uma fileira de peças de dominó: um atrás do outro. Pensei em me aproximar, mas a última barreira no meu cérebro, a do receio, manteve-se firme e forte, apesar de minhas tentativas em burlá-la. Continuei meu caminho e deixei para lá.
À noite, descobri que não conseguia tirar a história da cabeça.