segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

As Aventuras de Pi: Demagogia e devaneio em bela roupagem


Ao escutar o título “As aventuras de Pi”, tradução brasileira para “Life of Pi”, por algum motivo, pensei nos contos de Malba Tahan, que preencheram várias tardes de leitura durante o Ensino Médio. Talvez o nome do protagonista, que remete ao algarismo grego símbolo de um número importante na Matemática, tenha feito com que eu ligasse os pontos. O fato é que os contos de Malba Tahan eram extremamente divertidos e, ainda que escritos em uma linguagem muito formal para um adolescente, sempre me deixaram entusiasmado e louco para descobrir o fim, que geralmente reservava surpresas.

Essa associação inoportuna talvez seja o real motivo para eu ter me decepcionado com o filme, dirigido pelo ganhador do Oscar, o taiwanês Ang Lee. Mas eu não creio que seja apenas isso. O visual da obra como um todo é belíssimo. Animais extremamente bem reproduzidos em computação gráfica e efeitos de luz pontuais transformam a estética do filme na atração principal. Algumas tomadas em que o oceano é retratado como o universo, com os peixes e águas-vivas fazendo as vezes de constelações, são de tirar o fôlego. Infelizmente a história não fica à altura do conceito artístico.

                                                           Bonito pra chuchu... e só!

O enredo nos conduz a um escritor com “bloqueio” (quase vivido por Tobey Maguire, mas representado por Rafe Spall no fim das contas) que vai à casa de Pi para ouvir sua incrível história sobre como sobreviveu ao naufrágio da embarcação que levaria sua família e os animais do zoológico gerenciado por seu pai ao Canadá. Com o relato de nosso personagem principal, um indiano seguidor de três religiões ao mesmo tempo, o escritor espera recuperar a inspiração para pensar no próximo livro.

É aí que, por meio de flashbacks (por ter diversos atores indianos confesso que, preconceituosamente, fui remetido à maneira de contar o enredo de “Quem Quer Ser Um Milionário?”), somos introduzidos à tal vida de Pi, que se vê preso em um bote salva-vidas em meio ao Oceano Pacífico com uma zebra, uma hiena, um orangotango e um Tigre de Bengala. Tudo parece ser interessante a princípio, mas termina por decepcionar bastante.

O roteiro adaptado da obra de Yann Martel, que se baseou (alguns dizem plagiou) no livro “Max e os Felinos”, do brasileiro Moacyr Scliar, tenta, então, conduzir o expectador a uma épica jornada espiritual em que, supostamente, a presença da figura denominada Deus se tornaria inegável. Digo logo de cara que a proposta, ambiciosa a princípio, se mostra apenas pretensiosa e acaba por deixar a trama confusa e exigindo reflexão (e alguma discussão com colegas) para ser entendida, no máximo, parcialmente.

O ator Suraj Sharma, que vive o jovem e náufrago Pi, no entanto, foi extremamente bem escalado e consegue passar as emoções certas, além de demonstrar um timing cômico decente. Gérard Depardieu faz uma ponta de luxo como o cozinheiro do navio, mas, de resto, o elenco passa quase despercebido. Durante praticamente todo o segundo ato e grande parte do filme, na verdade, temos apenas Pi encarnando Tom Hanks em “Náufrago”, mas com um Tigre de Bengala com desejos assassinos e muita fome ao invés de Wilson, a simpática bola de topete. Ah sim, as dificuldades são quase todas passadas em meio ao Oceano Pacífico, o que deixa o miolo do filme, apesar de belo em alguns pontos, extremamente maçante.

Pi pega suprimentos no barco, o Tigre tenta atacá-lo. Pi tenta marcar território, o Tigre tenta arrancar sua cabeça. Pi tenta pescar, o Tigre encara ele com olhar assassino.

É assim que o filme se desenvolve. A certo ponto quase nos esquecemos de que aquilo é um flashback e passamos a acreditar que estamos presos àquele lenga-lenga. Eternamente à deriva ao lado de Pi e seu tigre semi-domesticado.

                       Pi pensando na morte da bezerra. Cena corriqueira em suas "aventuras"

O devaneio foi tão grande, que Ang Lee, a certo ponto, finalmente lembra-se da mensagem espiritual a ser passada e insere uma ilha mágica no meio da história. Teoricamente esse pedaço de terra seria uma mensagem divina, mas apesar da explicação forçada do também narrador Pi, este mais velho vivido por Irrfan Khan, fico me perguntando qual foi o propósito desse lugar lotado de suricatos (que também não têm qualquer propósito ao conteúdo final).

A impressão que fica é que o diretor tinha dois objetivos: empregar recursos visuais que justificassem os 120 milhões de dólares investidos em um roteiro tão pobre e pretensioso, e trabalhar a atuação de Suraj Sharma, que, diga-se de passagem, passou no teste pois teve de demonstrar sua capacidade contracenando com um tigre imaginário por mais de duas horas.

Como as imagens são apenas bonitas e expressam muito pouco do que o filme realmente tenta dizer, o narrador precisa, nos instantes cruciais, explicitar de maneira bem didática qual foi a intervenção divina ou ensinamento religioso transmitido pela cena que está sendo mostrada ou acabou de passar. É ridículo.

Além da falta de clímax, que torna o fim do filme algo abrupto, o terceiro ato ainda desmistifica a história que acabou de ser contada e - inacreditavelmente direi isso - transforma a conclusão do enredo em algo próximo a Amanhecer. Sim, Ang Lee transformou “As aventuras de Pi”, que deveria ser um conto de fadas ou pelo menos uma épica jornada de crença espiritual, em algo próximo à odiosa “saga” de vampiros constipados e lobos depilados de Stephanie Meyer. É ver para crer.

A visão, aliás, é sua maior aliada neste filme e, especialmente na sessão 3D, quando a história se tornar invariavelmente chata e nada de bom estiver acontecendo (como uma baleia brilhante saltando ou... ai ai, quando o Tigre estiver, pela 15ª vez, tentando comer Pi) simplesmente preste atenção nas cenas. Cada detalhe, cada jogo de cores, cada elemento do mise en scène é um deleite.

E talvez esse seja o único motivo que faça valer a pena assistir a esse filme nos cinemas: a beleza gráfica. De resto, vá ler Malba Tahan que encontrará contos mais interessantes, ou então a Bíblia, se quiser contos de fadas de cunho igualmente espiritual.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Tigre triste. São Paulo Campeão

O São Paulo é campeão da Copa Sul-americana (apenas a segunda equipe brasileira a alcançar o feito) e deve comemorar muito a conquista após empate em 0 a 0 jogando em La Bombonera, em Buenos Aires, e vitória por 2 a 0 na capital paulista na noite desta quarta-feira (12). Tanto dirigentes, comissão técnica e jogadores quanto torcedores e amantes do futebol merecem o título.

O espetáculo bonito, marcado pela presença de quase 70 mil pessoas ao estádio do Morumbi, sofreu tentativas de sabotagem por parte dos argentinos do Tigre que, ao perceberem a inferioridade técnica e constatarem não haver a menor chance de vencer o torneio desportivamente, tentaram manchar a história do jogo com sangue e confusão. Quase deu certo, mas assim como na Europa os canais de televisão não mostram torcedores que invadem o campo para não lhes dar visibilidade e, assim, não incentivar outros engraçadinhos que queiram aparecer, a imprensa esportiva no geral deve reprimir a atitude argentina e ignorá-la para evitar mais situações do tipo. O mesmo não pode ser dito da Conmebol, a entidade máxima do futebol sul-americano. Ela deve tomar medidas severas para não apenas apurar o que houve no Morumbi e indicar culpados, mas também, como dito pelo técnico são paulino Ney Franco, coibir agressões e condições precárias de jogo em outros países da América Latina.

Sem Luis Fabiano, expulso infantilmente no jogo de ida, o São Paulo teve Willian José, que ao final da partida revelou estar de saída para o Grêmio, como substituto e não deu chances ao acanhado adversário. O Tigre optou, mais uma vez, por tentar reduzir os espaços do campo e apertar a marcação individual, mas em um palco bem maior que o estádio de Buenos Aires o Tricolor não teve dificuldades para criar jogadas e burlar a linha de defesa do oponente. Foi um banho de bola e o 2 a 0 no placar ainda no primeiro tempo apenas confirmou o favoritismo já esperado dos brasileiros.

         Prova da "cordialidade" argentina com o Lucas (Foto: Rafael                                       Neddermeyer/Agência O Dia)
                                       

Na saída para o intervalo, Lucas, autor do primeiro gol e de malas prontas para Paris, respondeu a uma provocação do lateral esquerdo Orban ao mostrar o algodão ensaguentado que usava no nariz após receber uma braçada do jogador argentino. O próprio Orban não esboçou reação, mas o companheiro dele, Díaz, que acabou expulso no intervalo, decidiu tomar satisfações e, apesar da tentativa de Wellington de afastar Lucas de uma possível confusão, o jogador do time argentino foi ostensivo, agressivo e gerou tumulto próximo à entrada do vestiário dos anfitriões.

Mais jogadores, de ambas as equipes, surgiram. Uns queriam apartar a briga enquanto outros claramente queriam confusão. Um dos encrenqueiros era o goleiro Albil, que a todo instante tentava acertar um soco em alguém. Paulo Miranda, geralmente pacato, não desferiu um golpe sequer, mas provocou os argentinos dando a cara a tapa, literalmente, e levou cartão vermelho do árbitro chileno Enrique Osses. Até o capitão Rogério Ceni se viu envolvido na confusão. Ele entrou em uma argumentação mais calorosa com o técnico do Tigre, Néstor Gorosito, mas nenhuma agressão foi registrada.

Os atletas do São Paulo deixaram o foco de confusão e foram para os vestiários. Segundo relatos de repórteres tanto da Rede Globo quanto da Fox Sports, membros da comissão técnica e jogadores do Tigre tentaram invadir o vestiário do time da casa. Os seguranças do Morumbi cumpriram sua função inicial e coibiram o ato de vandalismo, rebeldia e covardia dos argentinos.

A partir daí, os atletas do Tigre passaram a se fazer de vítimas. Foram para o vestiário com o rabo entre as pernas e frustrados por não terem conseguido causar mais confusão do que já haviam provocado. Praticaram vandalismo gratuito no patrimônio do clube que os recebeu para a final da Copa Sul-americana e agravaram a animosidade. Alguns membros da comissão do Tigre alegaram que só destruíram portas e prateleiras para se proteger da agressividade aparentemente irracional dos seguranças do São Paulo.
Há relatos de membros da comissão técnica do Tigre que entraram, novamente, em conflito com seguranças particulares do São Paulo Futebol Clube. Isso, obviamente, deve ter desencadeado ferimentos de ambos os lados. Um atleta dos visitantes teria levado três pontos no braço após o conflito. Integrantes dos dois grupos que participaram da briga foram à delegacia prestar queixa e fazer exame de corpo e delito, segundo a Fox Sports.

Diante de toda a situação, o Tigre, com desvantagem considerável no placar e sabendo de sua insignificância técnica perante o São Paulo, decidiu tentar sair do Morumbi como mártir de um conflito gerado por eles mesmos.

O jornalista André Rizek, que alegou não querer dar uma de “Pacheco” e defender cegamente uma equipe do País, fez justamente o contrário: defendeu cegamente a equipe argentina. No programa matinal da SporTV, primeiro começou ponderado, dizendo que deveríamos esperar a acareação do ocorrido para fazer qualquer julgamento, mas passou a dar crédito à versão dos argentinos, contestando a atitude do São Paulo Futebol Clube como instituição e até mesmo concordando com alegações de dirigentes argentinos.

É difícil precisar o que realmente houve no vestiário do Tigre. Os “hermanitos” alegam que um segurança do São Paulo sacou uma pistola e ameaçou os atletas, o que foi prontamente rechaçado tanto pela diretoria do Tricolor Paulista, que afirmou ser impossível um funcionário do clube portar arma sem autorização da Polícia Federal, quanto pela Polícia Militar do Estado, que, por meio de um sargento, afirmou não ter encontrado qualquer indício de alguém portando ilegalmente uma arma.

O técnico Ney Franco, em entrevista coletiva após o jogo, adotou a postura correta, firme, de criticar duramente os argentinos e cobrar providências da Conmebol, que reconheceu oficialmente o São Paulo como campeão do torneio. “Eles pipocaram. A palavra é essa: pipocaram”, definiu Ney Franco, categórico, referindo-se ao clube adversário.

Talvez o São Paulo tenha ajudado a colocar fogo na disputa ao não permitir que os argentinos reconhecessem o gramado do Morumbi devido ao show da Madonna e ao tentar impedir que os adversários se aquecessem no local, mas nada disso pode servir como desculpa para o Tigre. Nem para justificar o banho de bola que levou no primeiro e único tempo da partida, nem para dizer que isso os motivou à agressividade tresloucada demonstrada em campo e fora dele.

É lamentável que uma decisão de torneio continental termine de uma forma tão negativa e, até certo ponto, melancólica, mas de maneira nenhuma isso tira o mérito e o brilho do São Paulo, que na campanha campeã não levou um gol sequer atuando no Morumbi e bateu os atuais vencedores do torneio, a Universidad de Chile, por 7 a 0 no placar agregado.

Valeu também pela despedida emocionante e histórica do garoto Lucas, que segue os passos do ídolo são-paulino Raí e se apresenta ao Paris Saint-Germain em janeiro. O meia-atacante terá oportunidade de mostrar seus dribles curtos e velocidade jogando ao lado de craques como Ibrahimovic e o zagueiro Thiago Silva. Ele ainda terá a companhia de outro ídolo recente do São Paulo, o uruguaio Lugano, que infelizmente está encostado na equipe francesa.

Não acho que o São Paulo esteja 100% correto no modo como tratou o Tigre ou como seus seguranças procederam no decorrer do jogo, mas o time argentino possui a maior parcela de culpa por toda a confusão gerada. Eles, desde a primeira partida, agrediram indiscriminadamente os atletas do Tricolor; causaram a expulsão de Luís Fabiano, artilheiro do ano do São Paulo, com uma simulação de Donatti, que chegou até a pedir desculpas pelo ato; e tentaram invadir, pelo menos até onde se sabe, o vestiário do São Paulo, algo inadmissível no futebol.

Muitos erros foram cometidos, mas que os jornalistas brasileiros sejam menos “coxinhas” e exaltem atitudes como a de Ney Franco, que não foi passivo perante o papelão argentino, e parem de enaltecer e endeusar qualquer coisa da Argentina só porque é o país de origem de Messi (que, verdade seja dita, não deve nem conhecer Buenos Aires se bobear. Ele viveu muito mais na Espanha do que em qualquer outro lugar).

Não prego a xenofobia, que acho estúpida e desnecessária, já que, quando na Argentina, brasileiros e praticamente qualquer outro povo são extremamente bem tratados, mas prego a cautela para com times argentinos que, como sua imprensa já vem demonstrando, provavelmente trabalharão em retaliações na Libertadores do ano que vem.

Espero que São Paulo e Tigre se encontrem em algum ponto da competição. O Tigre não poderá fugir de novo e, desta vez, o São Paulo terá oportunidade de aplicar a devida goleada nos “hermanitos” covardes e maus perdedores!

Agradecimento merecido ao Lucas, que prometeu retornar ao São Paulo (Foto: Vipcomm)